06 dezembro 2007

Abençoado consumismo! (Qu’ é das Bom-Bokas?)

Imagem: misteriojuvenil.com, d.r.
Adorava conseguir passar a quadra sem falar em Natal. Por uma questão de originalida-de, nada mais…
Chega o Natal e ando sempre numa azáfama tal, que, sinceramente, não o sinto chegar. Quando dou por ele, já se instalaram as luzinhas por toda a parte e já fui alvo de um bombardeamento atroz à caixa de e-mail com votos de boas festas a que raramente consigo dar resposta…
Não vou opinar contra o consumismo, pois já tudo foi dito e escrito sobre esta questão. Antes vou exortá-lo. Sim, que outra melhor época haverá para celebrarmos o consumismo, para exorcizar a alegada fraca auto-estima dos portugueses? Porque não gastar saudavelmente os míseros euros que esforçadamente ganhamos com banalidades natalícias? Quem tiver crianças, sabe que não são assim tão banais as prendas de Natal... a julgar pelas listas (mentais) de presentes datadas de 26 de Dezembro do ano transacto…
E depois? Antes gastar com isso!... Pode ser indício de que, pelo menos no essencial, estamos supridos (friso: pode ser).
Venha a igreja, e seus fiéis, apregoar que o Natal é tempo de reunir a família, tempo de amar, de compreender e perdoar, e eu digo “ámen”… então, não é mesmo para isso que compramos prendas? Para reunir a família? Para amar quem acerta no que queremos e precisamos, para compreender quem não pode dar melhor ou para perdoar quem se esqueceu de nós nesse ano? Não me importo que o Natal dos últimos dois séculos possa ser sinónimo de consumismo desmedido, não me importa mesmo nada! E sou crente! O importante, de facto, é “manter a lareira acesa”; o importante é reunir motivos para que ainda se justifique estarmos, uma vez por ano, todos juntos, nem que seja motivados pela troca das prendas e pelos calóricos comes-e-bebes. Importa-me, isso sim, não ter tempo seja para gerir bem o capital (?) destinado às lembranças que tenciono comprar – o que poderá “encarecer” a minha reunião familiar –, seja para comprá-las, o que ficará, invariavelmente, para vésperas do nascimento do menino!...
Sem mais por agora, me remeto ao silêncio, desejando, a todos, um Feliz Natal, repleto de idas ao shopping!...
Quanto àqueles, os que não têm forma de reunir a família, e os outros, os que não têm família para reunir, só posso desejar melhores Natais no futuro…
Obs: E por falar em consumismo, o Natal lembra-me, invariavelmente, as saudosas Bom-Bokas dos anos 80… Oh gente da minha geração, que é feito delas? Será que o Pai Natal do anúncio efectivamente comeu as últimas?!?

06 novembro 2007

Vida de abertura (demasiado) fácil

Imagem: "M. em conserva", Rui Matos (adaptada)
Ando um bocado farto de registos de utilizador e de códigos de acesso, de senhas electrónicas e de palavras-passe; do coleccionismo de cartões magnéticos e de comandos à distância, e de todo o tipo de automatismos de abertura….
Desde a picagem do ponto, à chegada ao trabalho, até à abertura “digital” da porta de entrada, no regresso a casa: um quotidiano de abertura demasiado fácil…
A pouco e pouco, tudo na vida vai sucumbindo à devastação dessas predadoras combinações alfanuméricas, e ficando dependente de um e-mail confirmativo de registo. Literalmente, uma liberdade condicional, esta que estamos a construir…
Quase sem darmos conta, o nosso leque privado de “amigos de café” transforma-se numa infinidade de “comunidades” virtuais de amigos de todo o mundo; positivo, não fossem virtuais… Antigamente, para fazer uma amizade, tínhamos antes de conhecer a pessoa, conviver com ela, perceber se podíamos confiar e, por fim, confiar. Era a ela que fazíamos gosto de mostrar, em primeira mão, as fotos das últimas férias, e só a ela contávamos os segredos mais recônditos, e, ainda assim, muitas vezes ajudados e alentados por uma qualquer bebida desinibidora… hoje em dia, podemos expor, virtualmente ao mundo inteiro, as nossas férias no momento em que estão a acontecer. E o que relatamos “instantaneamente” ou publicamos via web, muitas vezes, nem sequer ao melhor amigo(a) contamos pessoalmente!
Caminhamos, pois, para um novo conceito de amizades: platónicas, intermitentes, fugazes e interesseiras… que se interrompem com o esquecimento das passwords, com a “queda” da net ou avaria do pc; que se perdem se a moderação do chat ou fórum nos bane por incumprimento das regras… ao contrário de um verdadeiro amigo, que sabe sempre perdoar!
O reconhecimento tende a medir-se, pois, não tanto pelo carácter, simpatia e demais atributos de uma pessoa, mas sobretudo pela quantidade de amigos (insisto, virtuais) adicionados.
Os fóruns e os chats temáticos (e, porque não, os blogues!) são, com efeito, uma boa invenção. Mas valem o que valem e devem valer só isso. Quanto a mim, o abissal fosso que o internauta cava em redor de si próprio aumenta à medida que adiciona um novo amigo (ou é adicionado) ou que se regista numa nova sala de chat, num novo fórum de discussão, que publica um novo post; isto (sublinho), caso não haja tempo para fazer e manter as amizades genuínas, de carne e osso, as que se celebram na escola, no trabalho, no bairro ou na terriola onde se vive, ou, porque não (sou levado a admitir), a partir de um primeiro contacto (seguro?) na net... Aquelas cuja “chave de acesso” não expira, por ser intemporal, inata e universal: um abraço, uns beijinhos, um aperto de mão e a troca de um olhar, aquele olhar…
E o que não dizer das saudosas filas de espera (que agora são virtuais!) nas congestionadas repartições de finanças, em (final de) época de entrega do IRS, onde aproveitávamos para coscuvilhar um pouco, reclamar com o vagaroso atendimento, ou trocar lamentações a propósito da sobrecarga de impostos e dos efeitos reais da subida da inflação, designadamente, no respeitante «ao preço a que os legumes estão!» e lamúrias que tais…
À custa de “terabytes” de passwords e e-mails, somos aquele(a) e aquilo que quisermos ser. A Internet constitui a bendita chave-mestra que nos abre as portas a um infinito manancial de possibilidades, ao serviço da nossa vida real. É pacífico. O inverso já não me parece normal nem sensato, antes perigoso, danoso para a integridade humana…
Irremediavelmente, e para meu aborrecimento, esta galopante “doença” vai-se alastrando e o mundo vai-se abrindo, a cada momento, um pouco mais…
Poupem-nos, ao menos, a leve agonia da abertura dos enlatados (tarefa que, mesmo assim, foi em tempos mais árdua)… dá mais luta a quem os come! Quanto ao resto... “abre-te sésamo!”

19 setembro 2007

O que é nacional é bom (q.b.) …

Imagem: "O outro lado da ferida", Paulo Madeira
A vantagem, para mim, de falar de qualquer assunto específico reside no facto de eu não me considerar especialista (ainda que possa ser) de coisa alguma, logo, o grau de exigência que me é pedido é o de um cidadão comum, de Q.I. médio, como creio ser, digo eu…
Assim, a pena máxima que poderei apanhar será um puxão de orelhas com as devidas atenuantes. Tentarei, porém, escrever com responsabilidade… cívica.
Não sei o que me deu; também é certo que mais de três meses sem postar dá nisto!
Eis que me surge, vinda do nada, uma repentina vontade, quase diarreica, de postar sobre Escrita de Televisão. Podia ser por mera dor de cotovelo (já que é uma arte que deixarei para a próxima reencarnação), podia ser por não ter nada sobre que escrever, ou por simples pena da televisão que hoje temos, e sobretudo de nós, “dormitadores” de sofá. Vou optar pela última hipótese, que é a que melhor se coaduna com o que falarei a seguir... Já cheguei a falar de Informação, não foi? Ora agora vou falar de Entretenimento… à laia de Chico-Esperto…
Ora vejamos. Temos ou não temos melhores actores de ficção nacional que no passado? Temos ou não temos comprovadamente boas equipas de produção e de realização? Temos ou não temos novelas portuguesas permanentemente em horário nobre, ou seja, alcançando e mantendo bons níveis de audiência? Já lá vai o tempo em que representar em televisão se dizia ser demasiado teatral/pouco realista. Então não haveria de ser, pois se o teatro em Portugal tem, pelo menos, 5 séculos de existência, contra os 50 anos de televisão, dos quais apenas 25 de novelas em português (e com períodos de interregno)! Hoje, vemos, satisfeitos, boa parte dos actores portugueses com um realismo de representação que iguala, quando não suplanta, a melhor produção estrangeira. E com contratos de trabalho! Bem, sobretudo, com trabalho… esta é a parte boa (para eles) da questão.
A parte mais aborrecida (para nós): em Portugal mantém-se ainda o culto do não inédito, das adaptações de formatos comprados lá fora, sabe-se lá a que preço, guiões do tipo pronto-a-ver-
-sempre, quando cá dentro se verifica uma vaga, melhor, uma avalanche, dos melhores argumentistas, guionistas, criativos, que alguma vez tivemos!!! E para onde continuam a olhar os nossos directores de programas? Ainda para a galinha da vizinha, ora essa! Suponho que a seguir religiosamente dados de audiometria e a copiar milimetricamente formatos pagos a ouro! E porquê? Para não correr riscos… e os que arriscam escrever/suportar uma história de ficção original, (uma prática, é certo, cada vez mais corrente) a colarem-se aos lugares-comuns importados, sempre no intuito de liderar audiências… em termos práticos, vai tudo dar ao mesmo.
É triste, pois quando pensamos que é desta que é tudo 100 por cento nacional, vai-se a ver e… não é assim tanto! A praga primeiro tomou os concursos de assalto, depois seguiram-se os reality-shows e por fim as novelas. Bem, na verdade já não sei bem qual terá sido “tomado” primeiro…
Infelizmente, partilhamos ainda da cultura d'o que é nacional é bom, sim, mas para as elites. Mas já não nos podemos queixar de produções maioritariamente herméticas, eruditas e rebuscadas. Já se chamam nomes, já se chora baba-e-ranho, já se dão empurrões, já se parte loiça, já se explodem carros, já se dizem palavrões, já se colam corpos sem lençóis de entremeio e já se dão beijos de língua… tudo a fingir, em nome da profissão!
Mas enquanto, recorrentemente, se cegar a irmã gémea boa; enquanto a menina pobre sonhar perpetuamente em ser rica ou famosa; enquanto repetidamente se descobrir que, afinal, o filho não é do marido pobre mas antes do amante rico e enquanto durarem as madrastas más a infernizarem a vida às enteadas boas que afinal tinham cancro, e os maus morrerem no fim ou ficarem loucos e os bons casarem e tiverem casais de filhos; enquanto se insistir nas dicotomias fáceis, pueris e castradoras da nossa capacidade intelectual… enquanto isso acontecer (se não sempre), mais vale ler um livro!
Não sou nacionalista, nem pouco mais ou menos, logo eu, verdadeira encruzilhada de origens! Aliás, adoro uma boa série ou filme made lá fora, legendadinhos, como convém! … Agora, ou é ou não é! Acredito que é possível inventar, criar algo genuinamente nosso e colocá-lo em horário nobre... sem receios! Cooperar em vez de competir… estão a ver? Quem não acreditar, que atire a primeira pedra….

08 junho 2007

A diferença entre comprar e estar… presente



Não fui uma criança de muitos brinquedos, mas fui compensado com mimo, muito mimo mesmo, e de uma intensidade equivalente à vontade de comprar o mundo inteiro para me oferecer…
Nasci em ‘74, e a minha infância sucedeu sob os efeitos do pós-25 Abril, do retorno de África da minha família nuclear, da sua adaptação a um novo sistema, a uma nova vida e a uma nova cidade (Lisboa, onde acabei por nascer) e, logo a seguir, o seu regresso a uma aldeia onde pouco havia… a que se veio juntar os desentendimentos e o (in)evitável divórcio dos meus pais, a consequente(minha) separação da minhã irmã, o meu atropelamento, a prolongada doença do meu avô (verdadeiro pilar da família; verdadeiro pai, para mim), o seu inesperado falecimento e a subsequente viuvez da minha avó (verdadeira mãe, para mim). Tudo isto até aos quatro anos – sensivelmente a idade que a minha filha tem, na actualidade.
Talvez devido a ter crescido em tempo de vacas magras (no que toca a brinquedos e afins), mas, sobretudo, devido ao brusco aumento do actual custo de vida, não sou pai de comprar tudo à minha filha. Mas é uma situação que, ao contrário do que seria de esperar, não me incomoda, pois ela não é, felizmente, criança de pedir tudo o que vê. Para ela, a palavra “presente” parece significar mais do que o último grito dos brinquedos. Obviamente que gosta do Noddy, do Winnie the Pooh ou da Pequena Sereia. Mas, para ela, nada disso é imprescindível; apenas lúdico. O facto de a amiga ou o amigo terem algo, por si só, não a motiva o suficiente para ter igual…
Para ela, “presente” significa mais do que isso: significa pai ou mãe (preferencialmente os dois ao mesmo tempo) estar lá, junto dela, a apoiar as pinturas no livro de colorir, a supervisionar as actividades dos manuais didácticos, a jogar aos pares com as cartas, a fiscalizar a construção do castelo de legos, a vigiar a montagem do puzzle, a decorar a sala com as suas fabulosas aguarelas, a ler uma história «pequenina, papá!»… e outra… e mais outra… a afagar, enfim, docemente, o seu cabelinho macio, ou a massajar suavemente a sua tez de veludo, «mas sem cócegas, papá!», para que consiga relaxar e adormecer. Ou, então, a fazer-lhe consentidas cócegas ou a içá-la com um desajeitado elevador feito de pernas; a fazer por ir buscá-la mais cedo à creche, mas para estar, de facto, com ela; parar para ouvir, com atenção e respeito, as “graves” pequenas coisas que lhe aconteceram, e que, afinal, constituem a maior parte do seu dia-a-dia; e não subjugá-la ao quarto e ao tão útil leitor de DVD ou Canal Panda. É este o significado de “presente” para a minha filha e, se calhar, para tantas outras crianças, em tantas outras famílias. Arriscaria mesmo dizer para todas as crianças do mundo!
Se não posso comprar, não compro. Ela também não insiste muito. Se não posso brincar, chateia-se, chateia-me, chateia-nos, aborrece-se, fica com mau feitio. E não é chantagem, nem sobredosagem de mimo, mas antes frustração e sensação de injustiça; pensará «afinal, o que sou eu? Um bibelot, para não dizer um troféu, para exibires aos teus amigos, familiares ou conhecidos?… que transportas da escola para o quarto, e do quarto para a banheira, e da banheira para a mesa, e da mesa para o quarto, e do quarto para a escola?…»
Enfim, é bem melhor não comprar presentes, mas antes estarmos… presentes. (Como dizia há poucos meses, na SIC, o psicólogo Eduardo Sá, os pais «darem-se, em vez de dar», nem que seja só por uns minutos, todos os dias.) É isso que sinto em momentos tal como o de anteontem, quando a minha filha, enquanto brincávamos, me surpreende com uma carícia na face, com tanto de inesperada quanto de meiga, o que me faz, a seguir, perguntar, com um sorrir desajeitado: «o que foi, filha?». «Nada, papá», responde ela, devolvendo-me um ternurento sorriso: «é que apeteceu-me fazer-te uma festinha!»

14 maio 2007

Por muito que isso nos choque...

Imagem: "Mundo paralelo...", Jorge Guedes
São 80, contei eu, os desapa-
recidos em Portugal, de acordo com o site da Polícia Judiciária (http://www.pj.pt/htm/pessoas.htm). Uns naturalmente mais mediáticos do que outros, dependendo da idade e do estrato social. Mas todos, pelos mais diversos motivos, se ausentaram, voluntariamente ou não, do lar, dos entes queridos, de um passado que foi a única coisa que restou daquela identidade, daquela vida… eternizada num ficheiro policial, reduzida a uma única foto, que faz de cada um, senão mais amado, pelo menos mais conhecido…
Poderemos especular e conjecturar sobre os motivos, que serão vários, sendo os mais vulgares: desespero, demência, rapto… enfim, uma história e um sofrimento inacabados para quem fica, um final (quiçá inesperado) ou um recomeço do zero, para quem vai…
Tenho para mim, e a realidade tem-no demonstrado, que mais fácil é resgatar um desaparecido morto, do que vivo. O ciclo de uma nova vida começa no exacto momento em que se dá, convictamente ou não, a ruptura com um presente, com uma identidade… que acaba, a partir desse momento. Ainda que regresso haja. Nada volta a ser exactamente como antes.
Para quem fica, podemos imaginar o espaço vazio à mesa, a cama feita para sempre e os peluches imóveis por décadas a fio… podemos tentar supor o medo exacerbado e a dependência das memórias, que queremos simultaneamente guardar e expulsar da nossa mente; dos flashes de sorrisos e de olhares a assombrarem-nos o espírito, e a perseguição do que não se disse, ou do que se devia ter evitado dizer; o último abraço, as últimas carícias, a última frase… podemos arriscar até dizer que (para quem sofre com ela), será um mal menor a irremediável perda, comparada com esta infindável angústia…
Podemos até tentar imaginar o desamparo, o horror, a saudade atroz e a solidão abissal de quem foi… Mas, sobretudo, a sua revolta em relação aos que ficam. A revolta por não terem sabido contrariar a sua saída e por não terem sido capazes de o (a) encontrar; e o início da resignação a um novo ciclo que começou; a uma identidade nova que teima em ser sua… e, quando é o caso, a auto-culpabilização por punir tanto quem sabe que espera por si…
De quem fica, a esperança em cada tocar de campainha, a ânsia em cada chamada de telefone, a expectativa a cada carta do correio, a desconfiança perante cada vulto que se aproxima; e o desconforto de cada olhar (ora de pena, ora de suspeição) da vizinhança ou de um transeunte qualquer…
Obviamente, não conseguindo mais do que isso, fiquemos apenas pela tentativa… e pelo desejo de que esse outro ciclo possa, sendo possível, ser (ou ter sido) melhor para todos, incluindo para os que ficam… onde quer que ele se passe… por muito que isso nos choque…
Para nós, fica o exemplo de cada rosto daquela montra de desaparecidos, para que nos acautelemos o mais possível, face a um mundo tão estranho e imprevisível quanto as nossas cabeças…

20 abril 2007

Peço perdão, mas discordo

Imagem: "Equilibrium", Pedro da Costa Pereira
Na minha habitual rusga pelos jornais on-line, ritual de muitos internautas comodistas, pouco interessados ou pouco abonados (aqui incluo-me eu!), deparei-me com mais um caso insólito, e onde? Invariavelmente na América. A minha passagem pelos periódicos digitais ou impressos equivale ao meu habitual zapping televisivo; aleatório e quase sempre inconclusivo, culminando, tantas vezes, no off do telecomando... e chamo-lhe rusga, por ser uma operação rápida, brusca e raramente proveitosa. Mas adiante.
Encontrei, no semanário Sol, referência a uma figura jurídica que não me lembrava existir – o perdão póstumo. Conceitos como “indulto” ou “amnistia” soavam-me muito mais familiares…
Dois fãs dos The Doors pediram, recentemente, ao Estado da Florida, que perdoasse o lendário Jim Morrison (falecido, em 1971, enquanto aguardava recurso em liberdade) da condenação por exposição indecente num concerto em Miami, facto ocorrido há quase 40 anos! O perdão será alegadamente decidido pelo actual governador daquele Estado. E isto porquê? Por ter simulado a masturbação, num concerto em 1969… Então, onde raio é que estava o Mick Jagger?!? Sim, já que o Michael Jackson ou o George Michael seriam catraios, na altura…
Se já encarava com estranheza a atribuição de nobels ou outro tipo de condecorações a título póstumo, o perdão então deixa-me de boca aberta! E surpreende-me, em particular, quando vigora num dos cerca de cem estados onde a pena capital ainda é uma realidade férrea… Se esta última surte efeitos práticos, já o perdão póstumo só deixará, para os crentes, a alminha mais descansada ou repousada, e mesmo para esses nada suplanta o perdão divino…
É como as indemnizações às famílias por danos morais em caso de homicídios e afins. É o tentar fazer justiça sobre aquilo que é irremediavelmente injusto. Mas, em terra de Zé Povinho, esta premissa não constitui a causa da infindável pendência dos processos judiciais, país onde se acumulam pilhas de casos à espera, não tanto do final das polémicas férias judiciais mas, sobretudo, consequência do excessivo tecnicismo processual…
A novela Casa Pia não é muito diferente; o que difere, para além da causa que lhe está subjacente e do mediatismo dos arguidos, é que, ao contrário desta, a maioria dos pendentes ainda nem chegaram à barra dos tribunais…
Seja como for, soube, na Net, de um caso, passado no final dos anos 40, em Inglaterra, onde um homem foi executado por engano, a quem concederam, depois, perdão póstumo.
Soube também que, no ano passado, terão sido indultados os 306 soldados britânicos executados, por deserção ou covardia, durante a I Guerra Mundial, uma vez que a sua morte era alegadamente vista como uma nódoa negra na reputação da Grã-Bretanha e do Exército.
Mas maior eficácia teve não o perdão destas alminhas todas, mas antes a abolição da pena de morte naquele país, em 1975, salvo erro. Isso sim é uma medida exemplar… pela positiva!
Quanto ao saudoso “lizard king”, o que a fanática dupla não pensou foi que Jim Morrison certamente não quereria (quererá) perdão por aquele gesto, tivesse este sido efectivamente provocatório, fruto de uma grande pedrada ou meramente artístico… além de que agora também já de nada lhe serviria, a não ser para apagar uma página do livro de memórias do seu curto mas intenso percurso de irreverência… torço para que o indulto não “lhe” seja concedido! Torço antes pelo perdão da dívida externa a países em vias de desenvolvimento… Como diz o ditado, «mais vale um cobarde vivo…».

27 fevereiro 2007

Porque a música também é uma forma de arte!

Imagem: "artes (antes) do palco", Luís Garção Nunes
O interven-
cionismo, a nível musical, é sabido agitar e, não raras vezes, abalar muitas consciências, e isso é bom, quando é feito pela positiva, de forma construtiva e honesta e sem mero aproveitamento próprio. Uma utopia, haverá quem diga, mas terá de ser mais do que isso?
Sou insuspeito, ao falar desta forma, já que também sou músico, actualmente “de prateleira”, embora em vésperas de uma boa sacudidela de pó (espero eu!)…
Por exemplo, criticar a corrupção política (ou de outra ordem qualquer) através das canções/performances musicais, será pura hipocrisia se, enquanto músicos, alinharmos numa onda pseudo-intervencionista de auto-promoção. Nesse caso, estaremos, também nós, a ser corruptos musicais, vendendo discos e espectáculos em troca de valores em que não acreditamos, mas que furam com tudo, protegidos que estamos pela capa da fama. E é aí que o pseudo-músico de intervenção se confunde com o pseudo-músico popular brejeiro, dito “pimba”, que não presta louvor à cultura popular, mas antes ao dinheiro/fama que consegue com essa máscara (daqui excluo os “pimbas” autênticos, que receio serem poucos…).
Poderá parecer paradoxal, mas não havendo ofensas pessoais e caluniadoras, confesso que este pseudo-intervencionismo não me parece preocupante, sempre é uma forma de pôr o dedo na ferida...
Afinal, que efeitos poderá a dita música de intervenção ter para o público?
Deverão ser incontáveis as vezes que cantei o “Bullet in the head” dos Rage Against the Machine ou o “Pride (In the name of love)” dos U2 ou ainda o “Five to one” dos Doors, entre outros dos mais emblemáticos temas internacionais de intervenção. As vezes que os cantei, fosse na casa de banho, fosse debruçado no balcão de um bar, integrando alguma das minhas ex-bandas ou assistindo a algum concerto, nunca tomei por bandeira os valores políticos ou sociais supostamente presentes nas letras. Como, aliás, poucos (ou nenhuns) dos que me rodeavam ou rodeiam o terão feito ou ainda farão.
Sou insuspeito, mais uma vez, ao dizer isto, já que também sou letrista, e também escrevo sobre os dissabores da nossa sociedade, embora não só.
Isto para dizer que não serão a música, a letra ou a canção integral, por si só, desencadeadoras de reacções em cadeia de ordem politica, social, ecologista ou de pura violência ou pura apatia. Essa vontade tem de estar assumidamente presente em quem as ouve, mais do que em quem as compõe/interpreta.
Tal como uma tela, a composição de canções tem, hoje em dia (se é que não foi sempre assim), uma preocupação estética subjacente, sendo que o ritmo, a melodia, a “cor”, enfim, a forma das palavras interessam tanto ou mais que o seu sentido ou conteúdo, que será plural/subjectivo, como em qualquer outra obra de arte. Um músico é, com efeito, um artista (mesmo sem plumas!) e, de certo modo, um actor que veste a pele do tema que canta ou da eventual filosofia adoptada pela banda ou projecto, sem, contudo, necessariamente acreditar em tudo o que diz/faz ou dizer/fazer tudo em que acredita… tal como “o poeta é um fingidor”, para Fernando Pessoa; “the great pretender”, para os Queen, e por aí fora…
Corridos 20 anos sobre a morte de Zeca Afonso, presto aqui homenagem a um ícone da honesta música de intervenção nacional, facto que, conjugado com a sua primorosa habilidade criativa e interpretativa, lhe proporcionou conseguir alguns fiéis seguidores e muitos respeitadores da sua carreira…

19 janeiro 2007

Parabéns ao B.A.P.* (irra, que maçada!)

Imagem: "Casinha encantada", João Viegas
«Sexo, sexo, sexo. É isso mesmo. Uma palavra para designar múltiplas predispo-
sições em torno de um entendimento-chave: sexo.» Assim começava a minha investida na fabulosa blogosfera. Há precisamente dois anos.
Neste período, fiz por evoluir rumo à diversidade de temas e de estilo, para que não me tornasse rotineiro e para que os meus fiéis seguidores não me banissem da lista de favoritos. Mas ainda muito caminho há por desbravar. Como disse Lobo Antunes: "Eu escrevo livros para corrigir os anteriores, e ainda tenho muito para corrigir.”
Escrever neste espaço, que denomino por “cismário” digital, não pode equivaler a escrever num diário. Ele serve antes para publicar as minhas cismas, quando há tempo, vontade e inspiração. Para quem gosta de escrever, não pode haver um compromisso periódico, tal como acontece com as padarias ou os jornais. E não imaginam o que me custa ter de “postar” somente porque se apagam, hoje, as duas velas de vida do B.A.P., e não por um acesso de vontade de partilhar algo convosco. Porém, tenho de o fazer. Mas faço-o sobretudo para assinalar uma quase imperceptível mudança de imagem, que se impõe nos tempos que correm. Digamos que um retirar do pão do forno, para não queimar…
Também ainda não consegui ultrapassar a média de uma “postagem” por mês, o que certamente defrauda as expectativas daqueles que, ainda assim, insistem em confirmar se há algo de novo. Talvez a vingança se reflicta no não comentar dos meus textos…
Resta-me agradecer a quem tão simpaticamente visita esta tão modesta casita, que, apesar das poucas assoalhadas, tenta, teimosamente, resistir à erosão dos tempos…
Convido-os a reler (se for o caso) a postagem que maior gozo me deu escrever http://kapabees.blogspot.com/2005/09/inspiradora-solido-da-sanita.html.
Felicidade suprema e... cá fico à vossa espera!
*B.A.P. = Barbárie de Anjos Pedantes: antiga designação deste blogue