20 dezembro 2006

Natal é receber sem retribuir

Imagem: "Mãos", Gustavo Gracindo
O desespero das prendas não é uma crença, nem um mito, mas antes uma superstição. Descobri-o hoje, agora. No exacto momento em que pensava sobre o pouco que ainda sobra dizer ou escrever sobre o Natal…
Não oferecer é mau presságio, bem pior do que ser presenteado com aquilo que não se precisa ou, pior, que não se gosta; é esconjuro, praga, maldição… Se assim não fosse, por que razão insistiríamos em oferecer, todos os anos, no mesmo dia, aquela prenda, comprada à (mesma) última hora, tantas vezes embrulhada com o mesmo papel de embrulho e atada com o mesmo decrépito laço, com receio de que outrem nos resolva presentear, e que a sorte o venha bafejar e se esqueça de nós? Não gosta? Pode sempre trocar, ou oferecer a um terceiro, mas devolver é que não!!! É a velha técnica do “passa a outro, senão morres!” E o que não dizer daqueles que acreditam que a intensidade da sua sorte, no ano vindouro, será proporcional ao preço que gastaram no presente natalício?
Não! Não me esqueci das crianças! As crianças são as reais e únicas merecedoras de prendas, e as genuínas desfrutadoras e respeitadoras do espírito de Natal. (Mesmo quando dilaceram e amarrotam os embrulhos, ou quando não escondem que aquele conjuntinho azul-bebé ou rosa pálido não é prenda que se lhes dê!!! Mesmo que ameacem virar a travessa das filhoses sobre a cabeça daquele familiar distante que só vêem no Natal, na Páscoa, ou nos piores pesadelos.) Porque recebem sem retribuir, melhor, sem achar que o próximo ano correrá mal só porque se esqueceram ou hesitaram em entrar no barateiro bazar das redondezas ou, na mais improvável das hipóteses, na perfumaria da esquina…
Além de sincera, a criança é respeitadora, em vez de crente, como erradamente se julga. Se, no início, olha com estranheza, rapidamente começa a desconfiar, e passa, poucos Natais depois, a respeitar, num faz-de-conta solidário, que aquele homem, de barba de algodão em rama, apertado no fato e de almofada a espreitar por entre os botões do bolorento casaco vermelho, naquela noite, passa de pai a pai natal; que aquela fatia dourada, um tanto enjoativa, depois de por si comida, provoca aquele brilhozinho no olhar da mãe, que bem merecia um fato igual ao do pai!
Enfim, com ou sem prendas, desejo, a todos os meus fiéis e infiéis seguidores, um Natal familiar, aconchegado e animado!
Quanto a mim, estou de mudança de “poiso”, mas espero, de algum modo, poder partilhar do espírito (comercial) do Natal, e ter ainda tempo para comprar as tardias lembrancitas da praxe… É que, lá dizem os nuestros hermanos, “no hay que creer en ellas, pero que las hay, las hay...”.