23 dezembro 2005

Apanhado nas teias do Natal!


Imagem: "Nas mãos de Deus", Rui Marques
Custa dizer isto, e poderá parecer um sacrilégio aos olhos do Consumismo (mais até do que aos da Igreja), mas nem dei pelo Natal chegar; apesar das luzinhas e das canções e dos enfeites, ao virar de cada esquina; apesar de (lembrei-me entretanto) até ter feito, com minha filha, árvore de Natal (entenda-se, do bazar chinês!) e presépio, com musgo e tudo(!); apesar da agressiva exploração comercial da época, que praticamente nos cola à cara um cartaz do tipo "Este Natal, compre aqui". Mas a sério que não dei...
Para mim, o Natal sempre foi um interminável mês de Dezembro, e ao ter feito árvore de Natal e presépio (quiçá por graça, quiçá para me "enquadrar"), pensei que estaria ainda a léguas da consoada. Mas, apesar da campanha "Natal" começar com a antecedência de dois meses, o tempo, esse malandro, corre cá duma maneira...
Absorvido a ultimar trabalho inadiável, também ainda dormente do choque da perda de um familiar muito próximo, enfim, perdido no correrio que é a vida, dei por mim, como português de gema, a ultimar, na ante-véspera da consoada, umas lembrancinhas, que, a julgar pelo preço, deveriam muito bem ter o epíteto de "boas prendas"...
Enfim, sucumbi, mais um ano, ao frenesim do Natal, apesar das recentes adversidades, mas por isso mesmo, e como diz o ditado, «o que não nos destroi, fortalece-nos.»
Nada como um tímido «Boas Festas» para lavar as mágoas, amansar os ânimos, pôr para trás das costas querelas que não são de bom tom nesta quadra... e toca a correr de encontro às origens... ups, não esquecendo uma prenda para as "origens"...
As instituições param, as empresas abrandam, as ruas entopem (tal como as caixas de mails e de sms's), as lojas apinham, os "multibancos" são autenticamente sugados, enfim, a crise faz uma pausa... para o Natal! E nem mesmo as Presidenciais fazem sombra a esta quadra!
E ficava-me por aqui...
A todos aqueles que não tive tempo de desejar, votos sinceros de Boas Festas, com todo o tipo de prendas que não dão para embrulhar e que não cabem no sapatinho (nem no meu, sequer, eh, eh!) ...
Tudo de bom! ;)

26 outubro 2005

Por favor, uma maleita, ou qualquer coisa que sangre!

Imagem: "Spit or swallow", Vómito Negro
Pois, é verdade. Se antiga-
mente falávamos em maleitas seculares, as auto-
-estradas da informação diminuíram a distância de 100 anos para períodos anuais de catástrofes, epidemias ou pandemias.
Com efeito, com tantas cadeias de televisão, e enfim, toda a proliferação da comunicação multimédia, chegamos ao ponto de quase ter de inventar assuntos, “que sangrem”, para a ordem do dia.
Não quero descurar a gravidade de uma queda de um avião na Nigéria ou noutro qualquer local ou mais um atentado no Iraque ou uma rede de pedofilia desmontada, que são, de facto, assuntos da ordem do dia, ainda que seja discutível a forma esmiuçada e repetitiva com que as cadeias generalistas os abordam, gerando, gradualmente, banalização e indiferença por parte do telespectador.
Mas o que realmente não concebo é que se perca tempo a especular sobre “estrelas” futebolísticas que se deixam cair em teias mais cerradas, quando o único crime que poderiam estar a cometer seria, eventualmente, o facto de se fazerem pagar tão caro. Mas este será, seguramente, um argumento sem força uma vez que, por decreto ou não, é uma questão senão institucional, pelo menos irreversivelmente instituída no mundo-rei do futebol…
Haverão situações em que os mass media terão um papel fundamental; por vezes pergunto-me se a política não tivesse a janela ampla dos meios de comunicação, como poderia ver e ser vista, falar e ser ouvida por um público que, não querendo engolir o peixe que lhe vendem, o mais que poderá fazer é desligar a TV ou a rádio, mudar de canal ou de sintonia, fechar o jornal ou mudar de página, sendo impossível, a um político (para seu próprio bem!), ser-se vaiado ou “beijocado”, deste modo!
Por outro lado, a TV, nomeadamente, tem quase que uma função de pedestal no qual, quem tem assento é automaticamente vedetizado, com maior ou menor duração; mais uma questão incontornável seja para simpatizantes ou adversários da pretensa vedeta. Também não é novidade para ninguém. Porém, importa que o não banalizemos ao ponto de perder a faculdade humana de discernir o que é essencial do que é acessório. O que é essencial nem sempre é o tema de abertura dos jornais televisivos, tal como o acessório nem sempre é o assunto que fecha um bloco noticioso. Devemos ser criteriosos, tal como os responsáveis de informação e programação.
Informação e programação temática e diferenciada sim, mas para que possamos optar!
E cada qual, poderá, no dia-a-dia - ao invés de comentar o penalty mal assinalado da noite anterior, que já teve ou terá destaque e desenvolvimento suficientes -, preocupar-se antes com questões que nos tocam como a qualidade dos serviços de saúde, a pobreza generalizada, a seca, o degelo, a desertificação, a poluição, o envelhecimento, a perda de tradições e de referências históricas. Sem apontar dedos, mas soluções. Quem sabe alguma televisão, algum dia, não levará a ideia até algum político mais influente?

30 setembro 2005

A inspiradora solidão da sanita

Imagem: "Espera", Acarus Carpool
É inesgotável a inspiração proporcionada por uma daquelas teimosas prisões de ventre - um ritual, quase sempre, senão sempre, solitário e tranquilo.
Não sei se a Ciência terá explicação, mas é, talvez, dos únicos momentos em que o intestino trabalha a par e passo com o cérebro, daí que o óbvio seria as ideias produzidas não resultarem propriamente num livro sagrado ou num programa de governo. Mas não é assim. Uma prisão de ventre tem antes um papel surpreendentemente desinibidor permitindo que a imaginação flua como jamais o álcool ou as drogas conseguiriam! Vá-se lá saber se por causa da “descompressão”, se por causa do silêncio ou até da posição. Bem, é um facto que a célebre estátua “O Pensador”, de Auguste Rodin – símbolo, aliás, da profunda reflexão –, também usa uma posição similar…
Seja como for, independentemente da prisão ser maior ou menor, o que é facto é que cada qual aproveita-a da forma que quer, que sabe ou que pode. Os maníaco-saudosistas usam-na para contar e recontar os mosaicos do chão, qual jogo da macaca, na esperança de encontrar, quiçá, a pedra que marca o quadrado onde se ia. Os mais audazes arriscam e fazem um mortal, saltando da contagem do soalho para a dos azulejos da parede. Os mais precavidos ocupam-se a fazer, cortar, limpar ou pintar as unhas. Os mais informados aproveitam, consoante a classe social, ou para ler os 149 cadernos do "Expresso", ou para saber o resumo das 247 telenovelas em exibição. Os mais artísticos, para trautear ou escrever uma nova melodia, ou para esboçar um novo poema. Os mais filosóficos, para se abstrair e pensar no que a vida é, no que poderia ter sido ou no que poderá vir a ser. Os mais pragmáticos preferem fazer qualquer uma das alternativas anteriores (ou pura e simplesmente se concentram nas contracções), do que ocupar a cabeça com coisas malucas.
Já eu, que pratiquei, ao longo das minhas investidas à casa de banho, qualquer um dos anteriores exercícios de sanita, decidi-me finalmente por um (método, aliás, testado, aprovado e partilhado pela minha filha de 3 anos): a técnica do livro. Ocupo, assim, o meu “tempo de sanita”, a continuar a leitura daquele livro que nem sei bem onde guardei da última vez. Acho que sim, finalmente me estou a tornar numa pessoa culta, literata. Só por isso, venham mais prisões de ventre!

21 setembro 2005

Essa estranha arte de amar (Te)...

O Nosso mundo é o que construí-
mos a dois. O que vem a seguir a estarmos juntos.
É aí que o nosso amor começa,
Nessa ténue linha do horizonte que distingue o acaso da eternidade.
O nosso querer é do tamanho do céu.
Sabê-mo-lo infinito, não por o termos comprovado, mas porque acreditamos que ele o é...
Amar é estar em ti, mesmo quando não estou
E é estar em ti, mesmo quando estou.
Amar é querer correr p´ra casa,
Contar algo que te fará feliz
E é partilhar, no teu colo, o que me faz infeliz.
É o querer dizer-te tudo de uma vez
E é o querer guardar coisas para te ir dizendo.
É afagar-te os cabelos, enquanto me contas o teu dia.
E é o silêncio, pontual, que cada um de nós necessita.
Amar é querer estar contigo, a sós ou em comunidade, mas contigo.
Amar é estar perto e estar longe,
Mas estar sempre, sempre em ti.
E é não admitir que se sabe tudo sobre o Amor,
Admitindo que muito há por dizer e por desvendar...a dois...
P´ra mim, contigo, Amar é sentir que o mundo se abre para nós, e nos convida a perpetuar a felicidade...
De Mim para Ti.
(06.12.00)

15 setembro 2005

A bola de sabão que é a vida…

Imagem: "Bolha de sabão", Darlan Raymundo
Por vezes caminha-
mos sem avançar. Como se estivés-
semos no interior de uma bola de sabão. Aligeiramos o passo, mas nunca saímos do ponto de arranque; esbracejamos, mas nunca conseguimos tocar além das paredes a que estamos confinados; falamos, mas ninguém, das outras bolas, nos ouve; gritamos, mas o nosso grito não ecoa. É como se de um sonho se tratasse. Antes, um incontornável pesadelo. E para piorar, sabemos, à partida, que nenhuma destas acções terá repercussão. Limitamo-nos a este caminhar maquinal, cada qual na sua intocável e deambulante bola. De dentro, translúcida, ensurdecedora; de fora, espelhada, opaca e à prova de som…
Mas temos, contudo, a vantagem de ninguém correr atrás de nós, nem à nossa frente, nem nós atrás ou à frente de ninguém. Temos a possibilidade de construir sonhos, reinos de fantasia onde somos rei e súbditos, ao mesmo tempo…
Temos, neste caminhar-no-mesmo-sítio, a falsa noção do mundo a girar em torno de nós. Julgamo-nos todo-poderosos e não queremos, nunca, que esta caminhada termine. Porque temos “acesso” a tudo, mesmo sem ter nada, de facto. E porque tememos o abismo da realidade…
Se o dia vier em que a bola de sabão rebente, que caiamos directos no recipiente de água fria, ensaboada; a mesma que nos libertou, que nos deu as asas que só ela saberá cortar.

13 abril 2005

O pré-conceito das coisas

Imagem: "Robota", GyP 2001Cada coisa não é só essa coisa, é também o seu avesso e o seu meio e as várias perspec-
tivas de onde pode ser olhada. Cada olhar imprime na coisa aquilo que sente ao observá-la, à luz da experiência das coisas, que pode, ou não, melhor ou pior, conhecer iguais.
Deparo-me, muitas vezes, com uma preocupação, com tanto de absurda como de legítima: as percepções que tenho das coisas serão suficientes para a fidedignidade do conceito que tenho delas, e vice-versa? E o mais tenebroso é pensar que, da mesma forma como estatisticamente é altamente improvável repetirmos as mesmas passadas num mesmo trilho, mesmo que por ele passemos ao longo de toda a existência, ou repetir meticulosamente uma cena real da nossa vida, qual cena de cinema, até ao take definitivo; do mesmo modo será inocente ou até mesmo malicioso imaginarmos que teremos sempre a mesma perspectiva sobre as coisas, ou que as conhecemos por dentro e por fora, de trás para a frente, da esquerda para a direita, quando, em boa verdade, isso não é mais do que uma doce utopia ou, até mesmo, mera força de expressão. E porquê? Porque as coisas estão em permanente mutação. Tal como as visões das coisas.
Encaremos isto nesta perspectiva: não existem verdades supremas, nem conceitos absolutos. Existem pré-conceitos, porque são os únicos que podem existir. E venha a ciência provar o contrário. Da perspectiva como vejo a ciência, isso é impossível.
Nesta óptica, a minha, que até sou de educação católica, não será Deus um pré-conceito? Dá que pensar!...

25 janeiro 2005

O verdadeiro karma humano

A lucidez tem a dupla função de nos deixar ver a verdadeira razão de ser das coisas e de nos fazer perceber que isso não vai mudar em nada o curso da nossa vida. Quantas vezes quisemos, nós, mortais, procurar formas de distorcer a acuidade da nossa visão da realidade? Quantas não procurámos – e achámos – o verdadeiro sentido da vida – o de que a vida não tem sentido nenhum, e nos sentimos tranquilos, relaxados, libertos e até felizes? Pois é, a lucidez permite-nos ver além daquilo que, efectivamente, queremos olhar.
A realidade distorcida permite-nos viver no país dos “ses”, no plano das hipóteses e das possibilidades. A lucidez aumenta em proporção com a maturidade. À medida que nos vamos afirmando na sociedade, a nossa lucidez aumenta até ao ponto do «afinal era assim?!?». Mas guardamos essa verdade para nós, e jamais a revelamos. Nem a nós próprios. Pois, o prémio do nosso esforço de anos de aprendizagem, de competição, de avanços e recuos na auto-confiança e na auto-estima, de conquistas e perdas, é esta lucidez progressiva, rumo à clarividência que, em última instância, nos ofusca a capacidade de ponderar, de tolerar, de ouvir, de perceber, de recomeçar, de pedir perdão e perdoar, em suma, de amar. A lucidez de mente esvazia-nos o coração e a alma. Querer ver mais do que sentir e intuir é buscar a cegueira. Mas, querendo ou não, ela constitui verdadeiro karma humano.
Soluções? Não sou lúcido o suficiente para as encontrar...tenho tempo de o ser...

19 janeiro 2005

O estado “preliminar” da mente

Imagem: "The virgin's dream", G. PoggiSexo, sexo, sexo. É isso mesmo. Uma palavra para designar múltiplas predispo-
sições em torno de um entendimento-chave – sexo. Expressão básica que seria entendida aqui e, quiçá, na China, sem acordos ortográficos ou recurso ao Esperanto.
O que é facto é que nem sempre percepcionamos, em rigor, o real sentido da expressão, na sua mais recôndita essência. Para que tal aconteça, é necessário atingir, psiquicamente, um estado equiparado ao físico, de modo a alcançar uma predisposição para o prazer desmedido, a raiar a eloquência. A evasão da razão. E, por simpatia, do tempo e do espaço. É isso mesmo. Definir sexo, falar de sexo, pressupõe um jogo mental preliminar. Alcançado esse patamar de estado semiconsciente, eis chegado o momento do acasalamento de ideias. Já que o canal está limpo.
Isto permite-nos uma exposição mais aproximada dos nossos reais desejos, funcionando, assim, como um antídoto para o recalcamento sexual, não raras vezes motivado pelo preconceito social. O preconceito banaliza o sexo, afastando-o da sua real essência.
Falar de sensações é sempre muito difícil. Explaná-las. Sobretudo quando, nesse exacto momento, elas não estão presentes.
Não se exige ao leitor que apenas debata o sexo, no momento em que o faz. Mas, antes, que relaxe, também, intelectualmente, permitindo o livre fluxo e refluxo das suas ideias e das dos outros. Tal como fazê-lo, falar de sexo é, também, uma partilha. Há, permanentemente, que se estar atento ao(s) parceiro(s) do discurso. Não se preocupando tanto com o desempenho mas, sobretudo, com a intensidade do prazer que se retira e se oferece ao diálogo.