19 março 2009

Para o que der e vier...

Não planeei a longo prazo ser pai. A dada altura, senti vontade de sê-lo e fui. Não que me sentisse maturo ou disponível o suficiente para o ser. Ou que a conjuntura fosse a melhor. Digamos que encontrara o par ideal para dançar o tango…

No dia-a-dia, de ano para ano, aprendemos que um filho tende a ser, cada vez menos, uma extensão de nós próprios, ainda que mantenha o nosso sobrenome… pouco a pouco vai deixando de ser aquele pequeno galho da árvore que já somos, ao qual, de quando em quando, podamos as pontas para crescer mais vigoroso. O desmame é espontâneo, porém incontornável…

Cabe-nos, além da concepção, a missão de o ajudar a ser um indivíduo com alicerces próprios, mas sem nos projectarmos nele. Sem projectarmos nele aquilo que hoje somos ou que ontem não fomos. E sem projectarmos em nós a sombra de um pai de que nos orgulhamos ou que lamentamos não ter tido. Não é justo para ninguém, por muito difícil que seja.

Que queremos o melhor para os nossos filhos, isso é chavão fácil, no entanto não justifica que queiramos as coisas por eles. Têm de ser eles a querer, o que não raras vezes implica aprender à própria custa, através da experiência quotidiana. Temos de lhes dar o espaço suficiente para testarem os valores apreendidos, para tropeçarem (se necessário) e aprenderem a distinguir o perigoso do seguro, o certo do errado, o essencial do acessório...

Falando em frases feitas, «estar para o que der e vier» é dos chavões mais bem conseguidos a este nível e que se aplica ao que quero demonstrar. É essa, quanto a mim, a segunda missão dos pais, sobretudo a partir da entrada na escola…

E depois (relembro aos mais distraídos), há a vida dos próprios pais, que antes de pais são, cada qual, um indivíduo! Por muito que amemos os nossos filhos, o nosso reflexo faz-se no espelho, não na figura dos nossos “eternos rebentos”. Porque eles também nos amam e também querem o melhor para nós. E, por isso, também sentem quando não estamos bem…

Não nego; tenho orgulho na minha filha, não pelo que ela poderá vir a ser, não só por ser minha filha, mas sobretudo pelo que ela já é; pelo íntimo que deixa transparecer.

Hoje, madrugada de 19 de Março, assinalo o meu 6.º Dia do Pai. Sem falsos heroísmos ou proveitos comerciais. Sou o pai que sou e que consigo ser. Treino-me interiormente, tal como me treino como pessoa, nada de mais. Mas sou feliz por o ser e por ter tomado essa opção. No fundo, é dar continuidade à vida. Porque, afinal, temos que acreditar que ela vale a pena. Esse milagre, com tanto de sublime quanto de inexplicável...

4 comentários:

Nuno Pereira disse...

"Ó pai mas eu gosto tanto dos meus sapatinhos..."

Kalil disse...

«Cabe-nos, além da concepção, a missão de o ajudar a ser um indivíduo com alicerces próprios, mas sem nos projectarmos nele.»
Quanto à dos sapatinhos... falhei na segunda parte...

Amélia Batista disse...

Que texto bonito. Fiquei deveras emocionada. Tocou-me principalmente a parte em que nos relembra e muito bem, porque por vezes temos tendência a esquecê-lo,que há a vida dos próprios pais, que antes de sermos pais, somos um ser humano.

"Por muito que amemos os nossos filhos, o nosso reflexo faz-se no espelho, não na figura dos nossos “eternos rebentos”.

È verdade! Porque será que apesar de todos sabermos ser verdade, por vezes, temos tendência a esquecê-lo.

Estranha pessoa esta disse...

Muito bonito. Mesmo!

:)

Um abraço destes lados do desassossego :) ***