20 abril 2007

Peço perdão, mas discordo

Imagem: "Equilibrium", Pedro da Costa Pereira
Na minha habitual rusga pelos jornais on-line, ritual de muitos internautas comodistas, pouco interessados ou pouco abonados (aqui incluo-me eu!), deparei-me com mais um caso insólito, e onde? Invariavelmente na América. A minha passagem pelos periódicos digitais ou impressos equivale ao meu habitual zapping televisivo; aleatório e quase sempre inconclusivo, culminando, tantas vezes, no off do telecomando... e chamo-lhe rusga, por ser uma operação rápida, brusca e raramente proveitosa. Mas adiante.
Encontrei, no semanário Sol, referência a uma figura jurídica que não me lembrava existir – o perdão póstumo. Conceitos como “indulto” ou “amnistia” soavam-me muito mais familiares…
Dois fãs dos The Doors pediram, recentemente, ao Estado da Florida, que perdoasse o lendário Jim Morrison (falecido, em 1971, enquanto aguardava recurso em liberdade) da condenação por exposição indecente num concerto em Miami, facto ocorrido há quase 40 anos! O perdão será alegadamente decidido pelo actual governador daquele Estado. E isto porquê? Por ter simulado a masturbação, num concerto em 1969… Então, onde raio é que estava o Mick Jagger?!? Sim, já que o Michael Jackson ou o George Michael seriam catraios, na altura…
Se já encarava com estranheza a atribuição de nobels ou outro tipo de condecorações a título póstumo, o perdão então deixa-me de boca aberta! E surpreende-me, em particular, quando vigora num dos cerca de cem estados onde a pena capital ainda é uma realidade férrea… Se esta última surte efeitos práticos, já o perdão póstumo só deixará, para os crentes, a alminha mais descansada ou repousada, e mesmo para esses nada suplanta o perdão divino…
É como as indemnizações às famílias por danos morais em caso de homicídios e afins. É o tentar fazer justiça sobre aquilo que é irremediavelmente injusto. Mas, em terra de Zé Povinho, esta premissa não constitui a causa da infindável pendência dos processos judiciais, país onde se acumulam pilhas de casos à espera, não tanto do final das polémicas férias judiciais mas, sobretudo, consequência do excessivo tecnicismo processual…
A novela Casa Pia não é muito diferente; o que difere, para além da causa que lhe está subjacente e do mediatismo dos arguidos, é que, ao contrário desta, a maioria dos pendentes ainda nem chegaram à barra dos tribunais…
Seja como for, soube, na Net, de um caso, passado no final dos anos 40, em Inglaterra, onde um homem foi executado por engano, a quem concederam, depois, perdão póstumo.
Soube também que, no ano passado, terão sido indultados os 306 soldados britânicos executados, por deserção ou covardia, durante a I Guerra Mundial, uma vez que a sua morte era alegadamente vista como uma nódoa negra na reputação da Grã-Bretanha e do Exército.
Mas maior eficácia teve não o perdão destas alminhas todas, mas antes a abolição da pena de morte naquele país, em 1975, salvo erro. Isso sim é uma medida exemplar… pela positiva!
Quanto ao saudoso “lizard king”, o que a fanática dupla não pensou foi que Jim Morrison certamente não quereria (quererá) perdão por aquele gesto, tivesse este sido efectivamente provocatório, fruto de uma grande pedrada ou meramente artístico… além de que agora também já de nada lhe serviria, a não ser para apagar uma página do livro de memórias do seu curto mas intenso percurso de irreverência… torço para que o indulto não “lhe” seja concedido! Torço antes pelo perdão da dívida externa a países em vias de desenvolvimento… Como diz o ditado, «mais vale um cobarde vivo…».