08 setembro 2006

Retrato de família

Imagem: "A minha família", Rui Ramos
Devia compre-
ender quando me dizes que não sabes o que se passa contigo, que só consegues portar-te mal. Devia aceitar o facto de te ser difícil, para não dizer, impossível, pedir desculpas. Devia entender que, por vezes, ficas nervosa ou até com ataques de pânico e de rabugice, o que tende a piorar com a fome e o sono. Devia perceber as tuas fobias e conformar-me com as tuas manias. Devia identificar-me, na plenitude, com o facto de não quereres envelhecer, melhor, de quereres ser sempre criança, nem quereres que ninguém fique velho. De, quando te acordo, pedires só mais um bocadinho de cama. Devia não contrariar a tua timidez e o teu acanhamento. Devia esperar o tempo que me pedes para acalmar. Devia perceber que és tão-somente uma menina de 4 anos, tão igual e tão diferente de tantas outras. Mas devia, sobretudo, não esquecer que és minha filha, com todas as implicações que isso possa ter.
Também a mim me assolam ânsias de menino mau; também a mim me custa pedir perdão, mesmo quando sei que fui eu que errei; e quão maior o erro, maior a dificuldade; também (sobretudo hoje) sei o que é estar nervoso e ter vontade de gritar e espernear, tal como fiz tantas vezes, com a tua idade, e ainda faço, o que também piora se tenho fome ou sono; também eu tenho as minhas fobias, porém bem piores do que a de “borboletas castanhas”, como apelidas as traças ou outro qualquer minúsculo bicho que buscas (e achas!) em cada canto da vivenda da avó; também a mim me custa levantar de manhã da cama e não ser para ir ao Jardim Zoológico ou para ir levantar o 1º prémio do Euromilhões ou do Totoloto; tal como tu, também detesto a ideia de ganhar barriga ou rugas, de me crescerem cabelos brancos e ficar inválido; também abomino a exposição pública e também eu gostava que me voltassem a dar, hoje, esse tempo vital para soluçar, baba e ranho, de nariz comprimido contra a almofada da cama, para acalmar e, de seguida, cochilar.
Também a mim me custa ser contrariado, nem sabes quanto, apesar de, também eu, por vezes, contrariar os outros! E por mais que berre, grite ou chore, não haverá soninho nem biberão capazes de me vir amainar sensações de frustração (tal como tu!). Bem, talvez o miminho da mamã (tal como tu!) me seja capaz de acalmar até à minha próxima birra!...

1 comentário:

CGM disse...

Isto não se faz, pai! Fiquei com lágrimas nos olhos. Mas identifiquei-me tanto...

Um beijinho para a familia :o))